terça-feira, 23 de maio de 2023

OS DESAFIOS MISSIONÁRIOS EM LAODICÉIA

TEXTO: Ap 3:15-17

INTRODUÇÃO:

·      As cartas de Jesus às Igrejas da Ásia possuem duas funções básicas.                                           

a) A primeira é revelar os critérios pelos quais o Senhor julga a Sua Igreja. Nós a julgamos por valores externos, visíveis e contábeis: seu templo e número de membros, sua estrutura administrativa e exposição social, seus líderes e seu culto. Como canta o coral e como prega o pastor. Os critérios de Jesus são bem mais particulares e giram em torno de valores mais eternos do que passageiros.

·      Charles Kerman, filósofo cristão, diz que “nada do que tocamos é eterno”. E Jesus, quando olha para as igrejas de Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia trata de valores eternos. Em nenhum momento usa como crivo de julgamento a estrutura física e visível da igreja, mas trata sim do pecado que a assedia, a fidelidade perante as provações, a pregação do evangelho no mundo e a resistência aos ataques do diabo. Jesus prepara aqui uma Igreja para viver a eternidade.

b) A segunda função básica das cartas às igrejas na Ásia é justamente nortear nossa jornada hoje. Apesar de Apocalipse ser um livro com cores escatológicas, é altamente existencial tratando do cotidiano do povo de Deus neste mundo.

·      O verso 15 do texto que lemos fala sobre a possibilidade de uma Igreja ser quente, fria ou morna e erroneamente tem sido visto ao longo de anos como uma simples apresentação de três diferentes níveis de espiritualidade. Se o analisarmos cuidadosamente, entretanto, veremos que o assunto tratado é a funcionalidade da Igreja, seu modus operandi, o que ela faz baseado em quem ela reconhece ser.

·      Esta carta começa afirmando 3:15 “conheço as tuas obras” apontando para a vida funcional, prática e efetiva da Igreja e continua dizendo: “Que não és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente...” e esta é basicamente uma afirmação de desejo.

·      O Senhor Jesus afirmando à Igreja em Laodicéia que desejava que fossem quentes ou frios. Não há indícios para crermos que fosse uma expressão de ironia, mas sim um desejo sincero de vê-los tanto quentes quanto frios. Para entendermos esta afirmação precisamos lembrar que Laodicéia, pequena cidade, localizava-se entre outras duas grandes e conhecidas cidades na região. Ao Norte Hierápolis e ao sul Colossos.

·      Hierápolis era conhecida em toda a região por suas fontes de águas frias. Era uma espécie de Oásis no verão para onde as multidões afluíam. Segundo Orgeon, à entrada da cidade havia uma inscrição com os dizeres: “Lugar de Refrigério”.

·      Colossos ao sul era ainda mais conhecida pelas suas fontes de águas quentes, sobre as quais dizia-se possuírem poderes medicinais e terapêuticos usadas por pessoas com problemas ósseos, reumáticos, respiratórios e tantos outros. Um lugar de cura e terapia do corpo.

·      Quando o Senhor afirmou à igreja: “que nem és frio nem quente” poderíamos parafrasear: Que nem possuis função de causar refrigério às vidas que os procuram como as águas frias de Hierápolis; como também perdestes a função terapêutica de alívio aos aflitos à semelhança das águas quentes de Colossos.

·      Como sois mornos (e águas moras não possuem função) estou a ponto de vomitar-te da minha boca. Jesus mostrava assim que em Seu Reino a Igreja deveria possuir uma função kerygmática. De levar o evangelho até a última fronteira.

TRANSIÇÃO: Permitam-me propor-lhes alguns conceitos norteadores da caminhada desta Igreja na visão de Jesus para o Seu Reino, a partir do exemplo de Laodicéia.

1) NO REINO DE DEUS O CARÁTER PRECEDE A MISSÃO.


·      A vinda do Reino entre todos os povos começa sempre a partir de um movimento particular antes de chegar às massas. Começa a partir de um coração que espelha o senhor Jesus. Muitas vezes nos impressionamos com homens, ministérios e histórias que não impressionam a Deus. E isto acontece porque o critério pelo qual o Senhor Jesus julga a sua Igreja é muito mais particular do que público.

·      Por isto sabemos biblicamente que Missões não é uma ação definida em termos de resultados, mas sim de fidelidade ao Senhor. Entretanto em nossa recente história das missões no Brasil ainda cultuamos mais os resultados do que o caráter.

·      No verso 15 quando o Senhor Jesus, escrevendo à Igreja em Laodicéia diz, “conheço as tuas obras”, o texto utiliza a expressão grega “erga” (de “ergon”) para “obras”. Poderia ter utilizado “energema” se desejasse enfatizar a vida pública, e não particular da Igreja. Ou ainda “euergeteo” se o objetivo fosse enfatizar a sua vida comunitária.

·      Entretanto “erga” se refere a atos puramente pessoais, à vida particular. Não se trata de grandes realizações ou façanhas, mas sim da rotina da vida diária. Em outras palavras Ele estaria dizendo: conheço a sua vida, seus pensamentos e suas tendências. Conheço a sua rotina fora do templo. Conheço o seu caráter.

·      Como podemos avaliar o nosso esforço missionário? A partir dos resultados na transmissão da Palavra ou da fidelidade em vivê-la e transmiti-la. Creio que nós não fomos chamados simplesmente a converter as nações, mas sim a viver a fé que pregamos. É o que nos mostra 1 Co 4:9 quando o texto afirma que os “apóstolos” (representando a Igreja que avançava) eram postos em “último lugar”, como se “condenados à morte”. E termina dizendo que “nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos quanto a homens”.

·      O termo para “espetáculo” neste verso é “theatron” de onde temos a palavra “teatro” em português. “Theatron” literalmente significava “estar em um palco sendo observado”. A idéia é de um grupo teatral se apresentando em um palco iluminado por tochas que eram postas ao seu redor. Cada palavra dita, gesto realizado, movimento ou intenções estavam sendo cuidadosamente observados pelo auditório.

·      A verdade simples e contundente que sai deste texto é que você e eu, a Igreja de Jesus Cristo, estamos sendo observados, e não apenas por homens, mas também por anjos. A ênfase desta afirmação portanto não é simplesmente kerigmática, defendendo uma Igreja que existe para apenas proclamar o evangelho de forma inteligível, mas sim martírica: uma comunidade de santos que, antes de mais nada, foi chamada para falar, viver, agir e reagir de acordo com o caráter de Jesus. O verso não fala a respeito de salvação, mas sim de testemunho.

·      Tiago 4:8 também nos adverte para que não sejamos uma Igreja com “ânimo dobre” e para “dobre” usa a expressão grega “dipxoi” (di-dois; pxoi – almas): duas almas. Fala, portanto, a respeito de alguém que possui um corpo, mas duas almas. Uma alma quer Deus e a outra deseja o mundo. Uma grita “glória a Deus” durante o ardente momento de louvor e a outra caminha negociando a verdade e a justiça no dia a dia do seu trabalho. Uma fala de santidade, a outra de mundanismo. Ele nos alerta assim exortando-nos a sermos um homem com apenas uma alma. Que deseja apenas a Deus, Sua verdade e justiça. A glória do Seu nome.

·      Missões, portanto, não é um empreendimento que pode ser medido pelos resultados alcançados, mas deve ser definido pela fidelidade na comunicação do amor de Deus ao mundo, e, portanto, não é a competência, mas sim a vida e caráter que definirão a obra a ser realizada. O caráter precede a Missão. E se isto é verdade precisamos, em nossas igrejas locais e escolas se Missões fazer mais do que treinar missionários. Precisamos fazer discípulos.

2) NO REINO DE DEUS A OBEDIENCIA DETERMINA O AVANÇO.

·      Logo após o Senhor Jesus afirmar que Laodicéia era uma Igreja disfuncional, Ele apresenta o motivo no verso 17: “pois dizes: estou rico e abastado e não preciso de cousa alguma”. O motivo da disfuncionalidade daquela Igreja na Ásia era o pecado, e neste caso a soberba. O pecado possui a habilidade de nos incapacitar temporariamente, de inibir a nossa funcionalidade e de obscurer a nossa Missão. O pecado produz uma Igreja estéril.

·      E perante isto percebemos que apenas a obediência ao Senhor construirá uma Igreja que irá até a última fronteira. Em toda a história da expansão da Igreja vemos que somente a obediência, e não a tecnologia ou recursos financeiros, determinou o seu avanço. Para avançar e transpor barreiras é necessário obedecer.


·      Vejamos quais barreiras temos perante nós ainda hoje.

a) Desafio Étnico. Há no mundo atual 2.227 grupos étnicos distintos sem qualquer presença missionária ou conhecimento do evangelho. Pressupondo que já entramos nas áreas mais abertas política, linguística, geográfica e culturalmente, podemos entender que estes 2.227 (Povos Não Alcançados) não são “mais” 2.000 grupos sem o evangelho, mas sim justamente os mais resistentes em toda a história do Cristianismo. Portanto estamos lidando com o remanescente que apresentará maior resistência.

b) Desafio Linguístico. Convivemos hoje com 6.528 línguas vivas. 336 possuem a Bíblia completa, 928 o Novo Testamento completo e 918 grandes porções bíblicas, ou seja, a Palavra está expressivamente presente em 2.212 línguas. Deixa-nos com mais de 4.000 línguas, minoritárias e faladas por apenas 6% da população mundial, sem nada da Palavra de Deus. Entretanto tudo isto acontece em um mundo onde 1 bilhão e meio de pessoas, segundo a ONU, não sabe ler ou escrever. Não poderiam ler a Palavra mesmo se a tivessem em sua própria língua.

c) Desafio Missiológico. Fomos bombardeados positivamente desde a década de 80 por uma missiologia que priorizava alcançar os não alcançados. Neste afã começamos a concentrar-nos como Igreja e Agências Missionárias na lista dos povos não alcançados. E hoje, desde que Ralph Winter primeiramente listou os 13.000 povos não alcançados nos anos 80, este número baixou para 2.227 e há quem pense que é ainda menor. Entretanto, de acordo com os relatórios de crescimento da Igreja da World Mission International podemos notar que o evangelho apenas arranhou a superfície social em pelo menos 4.000 destes povos. Entre estes menos de 2% da população conhece a Jesus e não há registro de grandes avanços.

·      Corremos o risco, assim, de encerrar esta década sem nenhum povo não alcançado em nossa lista de povos não alcançados, mas com milhares de grupos onde mais de 90% da população desconhece Jesus.

·      Para ultrapassar tais barreiras é necessário obedecer. No dia 13 de agosto de 1727 houve um avivamento missionário entre um grupo de Checos refugiados na Saxônia (atual Alemanha), chamados de Morávios. O líder daquele movimento era Nicolas Von Zinzendorf e esta pequena igreja enviou missionários para todos os continentes da terra e mudou o rumo da nossa história. Já ao fim deste movimento Zinzendorf desejou fortemente enviar um missionário para alcançar os esquimós no Ártico e decidiu desafiar o oleiro da aldeia, um homem de meia idade, solteiro, que fazia vasos de barro para viver. Mas  Zinzendorf não tinha mais dinheiro e nem uma equipe para enviar com ele como fizera no passado. Após orar ele o chamou em um fim de tarde e disse: Creio que é vontade do Senhor que alcancemos os esquimós e quero lhe desafiar a ser este missionário. Não temos dinheiro para lhe dar, portanto, se aceitar você irá como peregrino e com certeza, pela distância e dificuldade de chegar à região, não creio que jamais poderá regressar. Aquele oleiro pensou por um momento e disse: “Falar de Jesus? Se você puder me dar um par de sapatos usados, amanhã cedo eu irei”. Imagino que aquele homem estivesse descalço e sua única exigência ao dar a sua vida à causa de Jesus foi um par de sapatos usados. Hoje, mais de 50% dos esquimós são crentes no Senhor Jesus.

·      A obediência determina o avanço.

 

3) NO REINO DE DEUS O SACRIFÍCIO PREPARA A TERRA PARA O PLANTIO.

·      O versículo 20 tem sido usado muitas vezes como ilustração evangelística: “Eis que estou a porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo”. Na verdade este é um convite à Igreja e não ao descrente. Um convite para a comunhão com Jesus. Entretanto comunhão com Jesus implica muitas vezes em sacrifício necessário pela simples necessidade de abstinência daquilo que não combina com o Mestre.

·      Para ultrapassarmos as barreiras que temos perante nós, sejam urbanas ou tribais, linguísticas ou culturais, de caráter ou de preparo, precisamos levar em consideração a possibilidade do sacrifício cristão.

·      Isto aconteceu em Atos no capítulo 8 quando a Igreja sofreu na primeira grande arrancada em direção à proclamação do evangelho além fronteiras. No verso 1 Lucas diz que houve grande “perseguição” à igreja e usa para isto a palavra grega “Diogmos”, que está ligada ao sofrimento físico: causar dores, fazer sofrer. Expunha um ataque físico no qual os crentes eram açoitados e mortos.

·      No verso 2 ele diz que houve grande “pranto” a respeito de Estêvão e para “pranto” ele usa o termo “Kopeton” que significa literalmente “bater no peito” e indica um sofrimento Emocional. Era a Igreja angustiada e deprimida pela cruel perseguição.

·      No verso 3 Lucas afirma que Saulo “assolava” a Igreja usando para isto um termo grego derivado de “Lumaino” que aponta para a destruição espiritual. É o mesmo termo usado em Jo 10:10 em que lemos que o diabo veio “roubar, matar e... destruir”. 

·      A Igreja sofria física, emocional e espiritualmente, mas crescia. Com certeza ela nunca, conscientemente buscou o sacrifício, mas estava pronto para passar por ele quando o momento chegasse. Kermann afirma que “o sacrifício precede os grandes avanços” e em Atos 8, na dolorosa dispersão da Igreja, o evangelho avançou.

·      Há muito tempo venho ouvindo os pregadores dizerem que somos um celeiro missionário para o mundo, o que não discordo. A visão e a seriedade missionária cresceram em nossas igrejas e louvamos a Deus por isso, mas perdemos o senso de sacrifício. O sacrifício prepara a terra para o plantio.

CONCLUSÃO:

Em 1945, Deus levanta uma mulher, solteira, baixinha, franzina, lá na América do Norte, ela estava passando por uma praça em Nova Iorque, um pregador de rua falava de Jesus, ela se converteu, derramou-se na presença do Senhor e recebeu um chamado para fazer diferença na Terra. Ela disse: “eu quero ser missionária”. Seu nome é Sofia Muller, ela saiu da América do Norte em direção a Colômbia. Entrou no Rio Insana, um rio que começa na Colômbia, entra na selva amazônica brasileira e a percorre por mais de 1.000 km e Sofia Muller, sozinha há mais de 40 anos no ministério, serve ao Senhor Jesus na Amazônia Brasileira evangelizando duas tribos: Curipaco e Baniva. Encontrei me com dois indígenas anciãos curipacos em um congresso de missões em Aracruz E.S, crentes em Jesus, que tiveram o privilégio de remar a canoa para Sofia Muller há décadas atrás. Eles me falaram: “pastor, aquela mulher tinha o fogo do Espírito Santo, porque ela pregava de dia e à noite nos fazia viajar, era perigoso, mas ela viajava a noite para não gastar tempo de dia, os índios dormindo e ela viajando, remávamos a canoa, mas ela não dormia, usava o seu candeeiro, aquela lamparina, e durante a noite traduzia o Novo Testamento para a língua Curipaco”. Hoje eles têm o Novo Testamento completo na língua deles.

É interessante que ela plantou dezenas de igrejas ao longo do Rio Insana e uma vez por ano um milagre acontece: uma conferência em que eles reúnem, pelo menos, um representante de cada aldeia evangélica ao longo deste rio, entre as tribos Curipaco e Baniva. Esses representantes saem das suas aldeias, dias de canoa, dias de caminhada na mata e, numa data pré-determinada, com uma boa bandeira, encontram-se numa grande clareira em algum lugar ou aldeia na mata, e ali dobram seus joelhos, fincam aquelas bandeiras no solo e oram a Deus, agradecendo porque um dia Ele chamou a sua filha Sofia Muller e ela respondeu sim. E começa aquela conferência missionária abençoadíssima que leva dias. Sofia Muller faleceu na América em 2000, com 93 anos de idade. Antes de falecer ela foi entrevistada por um jornalista evangélico, a primeira pergunta que ele lhe fez foi: “Como foi o seu chamado?” Ao que ela respondeu: “Eu jamais tive um chamado, li uma ordem e a obedeci”. Para ela, o que há na Palavra de Deus, já era forte o suficiente para estar mais de 40 anos de sua vida na selva sozinha, falando de Jesus àqueles que ainda não tinham ouvido.

Pr. Nilton Jorge (22) 998746712 Whasapp


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